Clepsidra
Foi desde que o Homem começou a medir o tempo que a História como a conhecemos passou a existir. O que havia antes, o que fomos no tempo em que não havia tempo, existe apenas nas lendas e nas histórias bíblicas, certamente ricas e preciosas, mas sem a garantia fiel da marcação do passar dos segundos. Mas desde que a sombra, a areia e a água começaram a medir os minutos e as horas, desde que os Homens começaram a contar as luas e os meses, toda a História ganhou lógica e propósito, permitindo perceber quem somos e, principalmente, porque o somos: pois ninguém conseguirá, na verdade, afastar da realidade de hoje, tudo aquilo que nos trouxe até aqui.
Mas o tempo tem muito mais dentro de si do que a capacidade de criar uma estrutura mental, do que criar uma ordem terrena. É também o marcar da alma, na teórica busca pela perfeição e do ideal divino, afinal de contas o único ponto comum entre todas as crenças e religiões do mundo.
Com a sua vontade de ultrapassar a cruz terrena (que é muitas vezes conotada como o próprio tempo), os Cavaleiros Templários deixaram inquebrável marca na História, numa época definida e definidora do resto do humanidade. Os Templários, nobres Cavaleiros de Cristo, carregando a sua cruz mística, cheios de conhecimento sobre os mistérios da vida e para além da vida, das estrelas e do passar das horas, ajudaram a fundar uma civilização ocidental que, ainda hoje, vive sobre a influência dos seus feitos e das suas crenças cristãs. A sua acção no tempo criou rotas, comércio e edifícios. Ajudou a unir povos e coligir culturas e conhecimento. Inspirou artistas, romances e melodias. Sem dúvida que a generosa clepsidra que marcou o seu tempo era composta de água fértil e rica.
Água. Impossível marcar simbolicamente o tempo dos Templários com outro relógio que não uma clepsidra. Pois, a água é muito mais do que aparenta. Não se limita a saciar a sede, ou a fazer crescer a vegetação, ou a limitar os continentes. É ela própria o espelho do tempo da criação, pois como conta o Livro dos Livros, “No princípio, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas” (Gn 1:1).
E, por isso, era necessário que, com os conhecimentos Templários, o Infante, Grão Mestre da ordem, já então chamada de Pobres Cavaleiros de Cristo, cruzasse os oceanos e devolvesse ao mundo a sua forma original, descobrindo povos e terras, pois, como diria Pessoa “(...) Deus quis que a terra fosse toda uma, / Que o mar unisse, já não separasse. / Sagrou-te, e foste desvendando a espuma (...)”.
Hoje, quando se revive o pensamento do Quinto Império, tão presente nas ideias do Padre António Vieira, de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, devemos tomar mais atenção do que nunca a esta clepsidra enorme, cheia de uma água pura, que marca o tempo. Pois o mote dos Templários, a busca e preservação do Graal está presente, ainda hoje e sempre, neste País onde estamos, Portugal, o Porto do Graal, País que se “falta cumprir”, na espuma das águas, na descoberta de novos caminhos e tempos que marcarão, com toda a certeza, a história da Humanidade.
Luís Costa Pires, escritor
Clepsydra é um projecto que visa celebrar este casamento entre o elemento Água & o factor
Tempo com o fenómeno Música na consequente História.